De Angry
Birds a Candy Crush, de League os Legends a Call Of Duty, que atire a primeira
pedra quem tem o costume de jogar jogos online e nunca passou, ou mesmo ouviu alguém
falar que determinado jogador foi banido ou teve sua conta deletada, por conta da
violação dos termos da licença do jogo.
Entre uma
infinidade de ocorrências, o uso de aplicações maliciosas que aceleram a “experiência”
(XP) de jogadores, que geram itens especiais, ou restritos a Game Master (GM)
ou que dão poderes extras, que liberam acesso a mundos diversos dentro do jogo, costumam
ser as causas mais comuns para a aplicação de penalidades das empresas
proprietárias dos jogos, que podem ir desde a tomada dos itens, ao bloqueio da
conta ou mesmo o banimento do usuário do jogo.
Afinal de
contas: as empresas proprietárias destes jogos, podem aplicar penalidades?
É pensando
nisso que resolvemos criar esse artigo, a fim de trazer alguns importantes
esclarecimentos em relação aos Direitos do desenvolvedor do jogo, quando dos
usuários jogadores.
Da natureza Jurídica dos Jogos online
Antes de adentrar
nos Direitos dos envolvidos nessa situação, faz-se oportuno e relevante alguns
esclarecimentos a fim de que possamos aplicar as normas corretas sobre a situação.
Empiricamente,
o funcionamento de um equipamento informático, ai incluídos PC Desktop, Notebook,
Smartphones, Tablet, entre outros, nada mais são que sistemas fundados na
logica binária formada por bits, ou simplesmente “0” e “1”.
A combinação de
8 destes códigos binários formarão o que chamamos de bytes, que em linguagem
humana geram o que conhecemos como caracteres (letras: a, b, c...) , números
(1, 2, 3...) ou caracteres especiais (! @ , #...).
A partir da
formação desses caracteres, o desenvolvedor poderá criar que chamamos de linhas de comando, que realizarão
tarefas pré determinadas a serem lidas e executadas pelo hardware, em outras
palavras: é o que chamamos de programação propriamente dita.
O que pouca
gente percebe é que o jogos, sejam eles online ou não (sistemas de informação,
Por ex.: instaláveis “.exe”; ou sistemas web, Por ex.: executáveis dentro de um
navegador), nada mais são que espécies de softwares, ou seja, programas de
computador que realizarão determinadas finalidades, embora direcionadas ao entretenimento.
Por mais
simplista que seja essa explicação, é de suma importância entender a essência do
jogo virtual, uma vez que com base nessa classificação de software é que se
pode verificar quais normas são aplicáveis as situações como a indicada acima.
Trata-se aqui da natureza jurídica intrínseca dos jogos online.
Com efeito, sendo
os jogos espécie de software ou programa de computador (inclusive os online,
sistemas de informação ou sistemas web), não restam dúvidas de que a primeira
norma aplicável a espécie é a Lei de Software, qual seja a Lei Federal nº.:
9.609/98.
Observe a
propósito que o conceito de jogo online se enquadra perfeitamente na concepção
legal trazida pelo legislador:
Art. 1º Programa de computador é a
expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou
codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego
necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos,
instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou
análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.
Ora, o jogo
virtual, seja ele online ou desktop, nada mais é que um conjunto organizado de
códigos fontes (instruções em linguagem codificada) alocada em suporte físico
(equipamento digitais, PC, notebook, etc), baseado em técnica digital (sistema
de informação ou sistema web) destinado ao funcionamento para determinado modo
e fim e necessários (para o entretenimento).
Com efeito,
adequando a concepção legal a natureza jurídica intrínseca, chegamos facilmente
a natureza jurídica extrínseca do jogo online, que é a de propriedade
intelectual protegida pela Lei de Direito Autoral, conforme impõe o art. 2º da
mesma norma:
Art. 2º O regime de proteção à propriedade intelectual
de programa de computador é o conferido às obras literárias pela legislação de
direitos autorais e conexos vigentes no País, observado o disposto nesta Lei.
Desta maneira,
podemos afirmar que a natureza jurídica intrínseca, ou essencial do jogo virtual
é sua classificação como espécie de software, enquanto a natureza jurídica extrínseca
é de propriedade intelectual de direito autoral, porquanto a própria Lei de
Software, assim o classifica como como Direito Autoral.
Dos Contratos de Disposição de Tecnologia
E é
justamente em virtude da natureza jurídica dos jogos, que as empresas se veem
obrigadas a aplicar a norma especifica que regulamenta os jogos.
Em rol
taxativo, a Lei de Software (LDS), estipula que a disposição dos programas de
computador (aqui incluídos os jogos, como explicado acima), será feita de três
formas a saber:
a)
Licença
de Uso (art. 9º da Lei de Software): espécie de autorização de uso;
b)
Licença
de Comercialização (art. 10 da mesma norma): espécie de autorização para
exploração comercial; e
c)
Transferência
de Tecnologia (art. 11 da mesma norma): espécie de contrato destinado a
cessão de direitos de uso e gozo, limitados ou não, com exceção deste ultimo a
autoria.
A forma de
disposição utilizada para os usuários jogadores in casu, é a Licença de uso,
instrumento este destinado unicamente a autorizar o usuário a comporta-se de
forma pré determinada e limitada dentro dos exatos termos do que é autorizado
na licença.
Como cediço é
comum ao baixar e instalar um determinado jogo, ou ao criar a conta, ser
apresentado ao usuário o intitulado: “Termos e Condições de Uso”, ou “Licença
de Uso”; e são justamente estes institutos que regulam o uso do jogo a ser
utilizado.
Ocorre que, em
sendo a licença mera autorização de uso, caso o usuário não concorde com
quaisquer de seus termos, deve ele suspender ou interromper o uso, sob pena de
violação da licença, e consequentemente do próprio direito autoral estipulado
pelo desenvolvedor proprietário da aplicação.
Veja-se que não
se trata de um contrato, mas de uma licença, já que sempre será limitada ao
respeito ao Direito Autoral estipulado pelo criador / proprietário.
E é
justamente aqui, que ocorrem determinados abusos, se não vejamos.
Da aplicação do Código do Consumidor nas
Licenças de Uso de Jogos online
Enquanto software
protegido pelas normas alhures indicadas, como dito acima nota-se que muitas
vezes as empresa criam mecanismos de blindagem de exploração do jogo, criando
uma série de exigências ao usuário jogador.
Contudo, mesmo
em se tratando de mera licença, e estando assim resguardado o direito do autor de
estipular como o jogo será usado, a licença está adstrita a necessária
observação do que dispõe a norma consumerista.
Isso porque, enquanto
usuário, o jogador é considerado consumidor (art. 2º do CDC) e o autor do jogo
é considerado fornecedor (art. 3º do CDC), destacando ainda que o jogo em si,
pode ser classificado como produto (art. 3º, §1º do CDC) ou serviço (art. 3º,
§1º do CDC); o primeiro: quando tratar-se de software de prateleira e o segundo quando for software serviço (vide julgado
STF: RE n.º 176626 / SP, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, DJ de 11.12.1998).
Dos possíveis abusos na aplicação das penalidades
pelo autor do jogo contra os jogadores
Princípio
basilar da norma consumerista é a transparência
da negociação havida entre o consumidor e o fornecedor.
Neste
sentido, é de suma importância que todas as informações relativas ao uso do
jogo, estejam dispostas na licença de uso de forma clara e concisa, com
linguagem de fácil interpretação, de modo inequívoco, e sempre a disposição, do
consumidor para futuras consultas.
Fundado no principio da informação, tem-se por
claro que a licença de uso ainda deve garantir a integridade de seu conteúdo,
ou seja, garantir ao consumidor, que durante sua vigência, não será alterada,
dispondo inclusive do prazo de vigência, que inclusive irá impor o prazo de
garantia de suporte ao cliente (art. 7 da LDS).
Em decorrência
do mesmo principio, eventual alteração deverá ser comunicada ao consumidor, sempre
que ocorrer, registrando-se igualmente em cartório as alterações, a fim de
garantia a manutenção da integridade da licença, objetivando a preservação dos
direitos e deveres de ambas as partes.
Igualmente,
deve a licença ser elaborada com base na boa-fé
contratual, visando o equilíbrio entre
os direitos das partes, priorizando sempre a hipossuficiência técnica do
consumidor frente à empresa.
Ademais, como
geralmente não há possibilidade de discussão das clausulas dispostas nas
licenças, sendo em regram, um modelo padrão não passível de alteração conforme
cada jogador, deve ela ser tratada como subespécie de contrato de adesão.
Logo, a
aplicação da interpretação das clausulas contratuais de modo mais favorável ao consumidor (art. 47 do CDC) também é
principio e medida plenamente aplicável, e deve ser observada pelo autor, sob
pena de assumir possíveis indenizações em virtude da assunção do risco inerente
a atividade exercida (art. 6º, inciso I, III, art. 8º, art. 12 caput e inciso
II, art. 14, caput e §§).
Vale ainda
salientar que sem prejuízo de todas essas regras relativas especificamente a
licença, deve ainda o autor se ater a guarda de todos os registros de
atividades (através de logs de registro), observado o disposto e os limites do
Marco Civil da Internet (art. 7º, inciso XIII c.c/ art. 15 da Lei Federal nº.:
12.965/14), sob pena de assumir eventuais prejuízos sofridos pelo consumidor,
independentemente de culpa.
De mais a
menos o fato é que eventuais penalidades, sejam elas quais forem, não pode ser
aplicadas de forma aleatória, sem que haja no mínimo um procedimento que
garanta a apuração perfeita da conduta do usuário, a fim de ao menos garantir o
nexo de causalidade, o dano e sua culpa, observados os princípios e garantias
acima indicados, podendo a empresa em acaso de abuso, responder por eventuais
indenizações a titulo de danos materiais, morais, ou mesmo se ver obrigada a
restituir em dobro o consumidor, pelos valores eventualmente pagos por ele pelo
produto e/ou serviço adquirido.
Por
derradeiro, vale ainda salientar que eventuais acusações por parte do autor de
violação de licença de uso ao usuário, incidem necessariamente na conclusão de
violação de direito autoral, fato este é crime; e em sendo crime, e pode gerar
ação de calunia e respectivas indenizações proporcionais.
Portanto,
caso isso ocorra, é de suma importância que o autor tenha provas cabais da
ocorrência, sendo vedado a imputação de fato criminoso, sob pena de responder
tanto na esfera criminal, quanto cível.
Do abuso por parte do Consumidor
Por outro
lado, por força do mesmo principio de equilíbrio
e boa-fé contratual, não pode o consumidor, valendo-se das garantias legais,
abusar de seus direitos em prejuízo do autor.
A exemplo,
utilizar efetivamente de programas maliciosos, “hackear” ou tentar “hackear”
jogos, ou, de qualquer forma obter benefícios de forma adversa ou além das
possibilidades e regras dispostas dentro do jogo, pode lhe custar muito mais do
que a perda de valores pagos, mas também eventuais reparações pelos danos
materiais e morais perante o autor, perante terceiros, ou mais grave ainda, inserir-se
em condutas tipificadas como crime, sendo as mais comuns: crime de violação de
direito autoral, estelionato, furto, dano, ou invasão de microcomputador, entre
outros, dependendo de cada caso.
Alias,
imperioso salientar que o próprio Marco Civil da Internet, impõe também aos
usuários o dever de atender a finalidade
social da rede (art. 2, incisos VI e
Lei Federal nº.: 12.965/14), impondo o legislador a este, o dever de boa-fé, mantendo conduta compatível com os costumes particulares
e sua importância para a promoção do
desenvolvimento humano, econômico, social e cultural (art. 6º da mesma lei),
mesmo em se tratando de jogos online.
Observe-se alias,
que a suposta ocultação de identidade que legitimaria o usuário a praticar condutas
lesivas ou criminosas, própria da internet, sobretudo nos jogos online, onde a
personalidade é transmutada a uma personagem, jamais deve ser usada como meio
de hábil a criar uma sensação de imunidade ou de impunidade, valendo salientar
que a perícia informática atual é capaz de facilmente constatar todas as
ocorrências, podendo o consumidor ser responsabilizado sem maiores dificuldades
quando abusar de seus direitos na pratica de ilícitos ou crimes.
A proposito,
vale salientar que inclusive o Código do Consumidor, em hipótese como essas,
exonera o dever do fornecedor a teor do disposto no art. 14º, §3º, incisos I e
II deste códex.