A constância de determinações judicias acerca de bloqueios de redes sociais tem sido tal forma frequentes que tem gerado uma repercussão publica a notória, mormente porque na maioria das vezes tais determinações acabam por prejudicar uma gama infinita de usuários.
E exatamente ai, surge a
indagação: os bloqueios são legais ou ilegais?
Fato é que, para responder a esta
pergunta, muitos tem usados, frise-se, equivocadamente a norma especial que
rege parte da relações havidas na internet: O Marco Civil da Internet.
Mas como de costume, o que vejo é
uma grande confusão que tem sido feita a respeito da norma em comento.
Mas a norma em si, não é maior
culpada. Alias, a norma, não é culpada de absolutamente nada, nem mesmo deve
servir a fundamentar pedidos ou decisões de cunho judicial, da forma com que
vem sendo feita.
Mas então, porque isto acontece
com tanta fequência?
A nosso ver, a maior
problemática, não é distorção do que dispõe a lei, mas em verdade a falta de
aptidão dos operadores do Direito no tocante as novas tecnologias, se não
vejamos.
Afinal, o Marco Civil da
Internet, obriga as empresas a manterem todos os dados dos usuários sob sua
guarda?
Antes de responder a tal questionamento,
é importante destacar as empresas e atividades que são atingidas pelo Marco
Civil.
A Lei Federal nº.: 12.965, de 23
de abril de 2014 ou simplesmente Marco
Civil da Internet (MCI), regulamenta, com regra geral, duas modalidades de
empresas que exploram serviços e produtos disponibilizados através da internet.
São elas:
a) Os
prestadores de serviços de conexão.
b) Os
prestadores de serviços de aplicação.
A primeira, conforme predispõe o
art. 5º, inciso VI c.c/ art. 13 do MCI
tem como atividade principal o fornecimento de serviços de conexão dom a
internet, ou seja, é aquela que libera o acesso de conexão ao usuário da rede.
A segunda, conforme preleciona o
art. 5º, inciso VI c.c/ art. 15 do MCI,
tem como atividade principal o fornecimento de serviços de aplicações, ou seja,
é aquela que fornece aplicativos por meio da internet (aplicações estas de cujo
conceito pode ser expandido a softwares e sistemas web entre outros, a teor da
concepção legal acerca deste em seu art. 1º da Lei nº 9.609, de 19 de fevereiro
de 1998 – Lei de software).
Mas será que é correto afirmar
que ambas atividades devem guardar todo e qualquer dado dos usuários?
Evidentemente que não, e é
justamente aqui que se confunde o que realmente dispõe a lei.
Como cediço, o MCI esta sujeito as
normas de ordem constitucional. Isto importa em concluir que submete-se a norma
Maior.
E o MCI, não vai contrariamente a
CF/88. Pelo contrário: ela reconhece e se alinha com perfeição a Constituição,
se não vejamos.
Dentre os vários princípios
fundamentais de nossa Carta Magna, destacam-se ao tema os direitos da
privacidade e da intimidade, e em decorrência deles, a garantia do sigilo e
inviolabilidade das comunicações, o que inclui as realizadas por meio da
internet.
O Marco Civil respeita isso?
Definitivamente sim. E não só
respeita, como impõe limites que não estão sendo observados nem pelas partes
que litigam e o usam como fundamento de pedidos absurdos, como também por
muitas decisões judiciais que tem se focado na interpretação de um ou alguns
artigos, quando a norma deve ser analisada ipsis literis, em sua totalidade.
E a maior prova de que o Marco
civil não apenas respeita estes limites, é que também impõe referidos limites.
Isto porque, não são todos os
dados dos usuários que as empresas prestadores de serviços de conexão e de
aplicação devem manter em guarda. Alias, o rol do que deve ser guardado é
bastante restrito (justamente objetivando se alinhar com o que dispõe a CF/88
acerca da privacidade e da intimidade).
O art. 10º e art. 13 do MCI, determina
que as empresa prestadoras de serviços de conexão devem guardar apenas e tão
somente os registros de conexão, ou seja, apenas o conjunto de informações
referentes à data e hora de início e término de uma conexão à internet, sua
duração e o endereço IP utilizado pelo terminal para o envio e recebimento de
pacotes de dados (art. 5º, inciso VI do MCI).
Já as empresas prestadoras de
serviços de aplicação, devem limitar a guarda apenas e tão somente dos registros
de acesso a aplicações de internet (art. 15 do MCI), ou seja, do conjunto de informações referentes à data
e hora de uso de uma determinada aplicação de internet a partir de um
determinado endereço IP (art. 5º, inciso VIII); em outras palavras, quem
acessou, quando acessou e quanto tempo permaneceu acessado em determinada
aplicação.
Veja-se ainda que há inclusive
penalidades severas em caso de guarda excessiva de dados, consoante se nota do
teor dos artigos 14 e 16, do MCI, a título de exemplo.
Com efeito, tem-se com clareza
solar, que em verdade o Marco Civil da Internet não é o vilão da história, nem
muito menos deve servir de base a
pechas, como vem sendo feito.
Aplicado aos recentes casos de
bloqueio do WhatsApp (que é um prestador de serviço de aplicação), muito
emborra não tenhamos tido acesso aos autos para uma analise mais precisa, entendemos
que, a ilegalidade seria patente, se a ordem judicial foi emanada no sentido
punitivo, ou seja, de penalizar a empresa que não apresentou o teor dos
conteúdos, já que o próprio MCI veda a guarda destes, impondo inclusive
penalidades em caso de excessiva guarda de informações, conforme se denota do
art. 16 inciso II da mesma norma em comento.
Alias, importante ainda consignar
que não há nenhum norma que determine a guarda de outras informações de
usuários de internet, exceto aqueles indicadas no MCI; o que, nem poderia ser
diferente, sob pena de ofensa direta a
CF/88.
Por derradeiro, vale ainda
destacar que qualquer decisão neste sentido, em relação ao WhatsApp, seria
ilegal, já que (ao contrário de outras espécies de sistemas web e aplicativos
como o Facebook) os dados de conteúdo do programa, não são armazenados em servidores
do desenvolvedor, mas nos próprios aparelhos dos usuários.
Assim, qualquer decisão no
sentido de que a empresa forneça tais dados, além de violar de forma flagrante
a CF/88 (no tocante a privacidade, intimidade e sigilo das comunicações) caminha
de forma contrária a exceção prevista no próprio Marco Civil, ao atribuir a responsabilidade
da empresa, apenas e tao somente dentro dos limites técnicos de seu sistema,
consoante se infere do disposto no art. 19 do MCI, in verbis:
“Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir
a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser
responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por
terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para,
no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado,
tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as
disposições legais em contrário.”
Enfim, não se pretende esgotar o
tema, mas apenas fornecer alguns valiosos esclarecimentos sobre possíveis entendimentos
equivocados, tanto no tocante a interpretação da norma, quanto nos particulares
técnicos da questão.
Fonte: Site Migalhas
Fonte: Site Migalhas