quarta-feira, 6 de abril de 2016

Whatsapp, Criptografia e o Marco Civil da Internet: o que isso muda pra mim?


Como já não é novidade, surgem muitas discussões acerca do Whatsapp, e com ela, também muitos apontamentos acerca do Marco Civil da Internet.
A ultima e mais recente refere-se a implantação da criptografia nas mensagens trocadas entre seus usuários.
Pensando nas polêmicas já surgidas nos últimos dias, resolvemos fazer um breve esboço da matéria, sob o enfoque jurídico, até mesmo para você não passar vergonha quando for conversar a respeito com seus colegas, especialmente os do meio jurídico.
De forma simplista, podemos dizer que criptografia nada mais é que um método onde uma determinada mensagem é codificada pelo remetente ao ser enviada, e que, somente pode ser descodificada pelo seu destinatário, ao recebe-la.
Como exemplo prático, imagine a criptografia da seguinte forma: uma carta lacrada com um cadeado fechado por você (remetente) onde somente o destinatário possui a chave para abri-la.
Assim, os efeitos diretos mais relevantes do uso garantem (ao menos em tese) a autenticidade, a confidencialidade e a integridade dos dados enviados, cujo conteúdo fica restrito ao remetente e destinatário.
Afinal porque o Facebook (dono do aplicativo) resolveu implantar a criptografia das mensagens trocadas entre os usuários do Whatsapp?
Ora justamente para garantir o sigilo das intercomunicações.
Mas esta restrição das informações (por meio de criptografia) não seria ilegal?
Evidentemente que não.
Ao implantar a criptografia a empresa representada pelo Facebook agiu corretamente, ao menos do ponto de vista do ordenamento jurídico brasileiro.
Isto porque, ao garantir a confidencialidade dos dados, o método se alinha com o que dispõe a Constituição Federal, no que tange aos direitos ao sigilo, a intimidade e privacidade (art. 5º), além de acatar ao comando imposto pela lei especifica que regulamenta a matéria, qual seja o Marco Civil da Internet (Lei Federal nº.: 12.965, de 23 de abril de 2014).
O artigo 3º da norma em questão impõe que plataformas (sistemas) das provedoras de serviços de aplicação tal como o Whatsapp, garantam a proteção da privacidade (inciso II) e a dos dados pessoais (inciso III) de seus usuários.
Com isto, temos que, é uma grande vantagem a criptografia das mensagens do sistema em questão, já que as comunicações dos usuários estão mais seguras, mantido seu sigilo.
Já a aparente “desvantagem” seria a de que, supondo a existência de um processo judicial em curso, a criptografia impediria a empresa de oferecer as informações a um juízo, caso haja determinação neste sentido.
Afinal de contas, a empresa desenvolvedora é obrigada a ter e manter a guarda destas informações em suas bancos de dados?
Ao se implantar um sistema onde nem mesmo a empresa possa decodificar os conteúdos das mensagens não geraria uma brecha para a empresa se esquivar de ordens judiciais que tenham por objeto a apresentação destas informações em juízo?
Isto não entraria em confronto, como por exemplo, principio de direito do Consumidor?
Definitivamente não e diversos são os motivos.
Em primeiro lugar, porque as empresas provedoras de serviços de aplicações tal como o Facebook, o Whatsapp o Twitter entre outras não tem obrigação legal de manter as mensagens trocadas entre seus usuários.
Alias, as empresas não tem e não podem guardar tais informações, sendo justamente aqui um ponto a se destacar da confusão com que muitos costumam fazer ao se socorrer ao que dispõe o Marco Civil da Internet.
Quando se pensa em Marco Civil, as pessoas tem um conceito errado de que a empresa desenvolvedoras deve guardar tudo em seu sistema.
Ledo engano, pois não é isso que a norma dispõe.
A obrigatoriedade de guarda de dados do provedor de aplicações de internet (tal como Whatsapp) refere-se apenas e tão somente aos registros de acesso a aplicações de internet, ou seja, o que a lei impõe é que as empresas guardem apenas os registros que confirmem os acessos de seus usuários no aplicativo.
Assim, apenas os dados de identificação, relacionados ao acesso do usuário (tal como seu numero IP, seu numero de telefone, seu nome, bem como os horários de acesso e tempo de duração no aplicativo) é que estão sujeitos ao dever de guarda da empresa.
É de suma importância destacar que a empresa não esta autorizada a guardar mais informações além dos registros acima mencionados.
Alias, o próprio Marco Civil veda expressamente (art. 15) que as empresas guardem registros de acesso a outras aplicações de internet sem que o titular dos dados tenha consentido previamente (inciso I), além de proibi-las de guardar dados pessoais dos usuários, que sejam excessivos em relação à finalidade para a qual foi dado consentimento pelo seu titular. (inciso II).
Acrescente-se ainda que mesmo os registros das quais a lei determina a guarda, devem ser mantidos em ambiente sigiloso, controlado e com segurança, e apenas pelo prazo de 6 (seis) meses (art. 15), prevalecendo, em todo caso, a necessidade de uma determinação judicial devidamente fundamentada, e nunca com efeito retroativo.

Cumpre ainda frisar que qualquer ordem judicial, fundamentada em suposta presunção de guarda de dados indiscriminadamente, onde se determine a apresentação do conteúdo das mensagens trocadas deve ser considerado ilegal e abusiva, sujeita dos recursos cabíveis.
Em primeiro lugar porque inexiste previsão legal de dever de guarda administrativa (ou pré-judicial) de tais informações.
A duas porque a obrigatoriedade imposta por lei, refere-se apenas e tão somente guarda dos registros acima indicados, e não a guarda do conteúdo das mensagens. (art. 15), valendo destacar que o rol é taxativo, já que o descumprimento pode culminar na aplicação de sanções.
A três porque obrigar a empresa a manter tais todos os dados dos usuários (incluídos os conteúdos das mensagens) sob sua guarda é completamente ilícita, já há expressa vedação da guarda de dados de forma indiscriminada, tratando-se a guarda dos registros acima indicados, como exceção a regra de “não guarda de dados”.
A quatro porque impor as empresas a presunção da guarda de dados indiscriminadamente, sem ordem judicial prévia devidamente fundamentada, é verdadeiramente subverter a Constituição Federal, de modo à simplesmente negar vigência dos dispositivos que garantem a inviolabilidade de correspondência (aqui empregada analogicamente), além da violação de direitos a intimidade e a privacidade das pessoas; direitos estes que, se limitados, ferem princípios basilares de um Estado Democrático de Direito.
Seria o mesmo que exigir que empresas de telefonia mantivessem de forma permanente gravações de todas as ligações de seus usuários, ainda que não haja decisão judicial previa, devidamente fundamentada, neste sentido.
Alias, havendo uma decisão judicial previa, determinando a guarda, esta somente obrigará a empresa da intimação desta decisão em diante, e apenas sobre aqueles dados precisos indicados na decisão.
Veja que determinar a empresa que guarde dados dali em diante, é bem diferente de uma decisão que determine a apresentação de dados das quais a parte sequer possui (e sequer pode possuir).
O fato é que, há uma diferença muito grande no que é decidido, cabendo ao juízo o bom senso e adequada aplicação da norma vigente, sob pena de se instituir um “Estado Judiciário de Direito”, ao nosso ver, em sobreposição ao Estado Democrático de Direito.
Mais do que isso, é dever das partes, devidamente representada por seus procuradores à integração a esta sistemática, sob pena de impor a si mesmo o risco de se pleitear algo que remonta verdadeira impossibilidade jurídica do pedido, ou pior, flagrante ilegalidade, como dito acima.
Feitas estas considerações, temos que a implantação da criptografia no Whatsapp não afetará você diretamente, quanto ao uso, mas lhe garantirá o exercício de direito constitucionalmente constituídos, tais sua intimidade e privacidade, nos exatos termos previstos em lei.
Por um outro lado, há que se reconhecer que a tecnologia também possui um lado temeroso.
Ora, ao se garantir o sigilo, através da criptografia abre-se um brecha para o acobertamento de práticas delituosas que podem utilizar desta para fins ilícitos.
De fato isto ocorre e pode ocorrer. Contudo, impor uma “pecha a criptografia e a própria conduta da empresa ao implantá-la” ao seu sistema não pode servir como único motivo dos críticos do seu uso.
Seria o mesmo que condenar uma indústria que fábrica armas. Ora, as armas podem ser usadas para o mal, mas também para o bem. Não o fosse, nenhuma autoridade policial do planeta usuária uma arma.
Tudo vai depender do uso com que se é dado, e a forma com que se pode reverter as coisas.
Por certo o dono da indústria de armas, não pode ressuscitar uma vitima de sua fabricação. Mas o proprietário do Whatsapp, pode tranquilamente desenvolver uma tecnologia atenta a reversibilidade.
O fato é que, o desenvolvedor da criptografia também pode (e deve) viabilizar a descriptografia dos conteúdos.
Da mesma forma em que as empresas devem garantir a confidencialidade dos dados, como no caso, usando do método de criptografia, devem elas também garantir a descodificação desta criptografia, comando este que decorre também de imposição do Marco Civil da Internet ao estabelecer como princípios da internet, em seu artigo 3º c.c/ o art. 5º inciso VI da CF/88 que é livre a manifestação do pensamento, garantida a liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, vedado o anonimato.
Como fundamento complementar a obrigatoriedade das desenvolvedoras acerca da criação de métodos de “descriptografia” das mensagens criptografadas (por elas próprias), vale ainda socorrer-se a imposição prevista no mesmo artigo 3º que determina a responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades (inciso VI) e ainda a liberdade dos modelos de negócios promovidos na internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos nesta Lei (inciso VIII).
E nem se diga que isto é impossível.
Ora, acerca da viabilidade deste procedimento (codificar e decodificar), basta citar como exemplo a criptografia baseada em chaves publicas e privadas utilizada pelos Certificados Digitais da ICP-Brasil, que possuem capacidade para criptografar e descriptografar as mensagens assinadas com seu certificado.
Enfim, não se pretende aqui esgotar o tema que, alias, é bem fértil.
Contudo, buscamos traçar aqui algumas diretrizes básicas sobre o que realmente está previsto na norma nacional vigente.

Também não se pretende aqui ampliar a defesa das empresas de modo absoluto, nem tão pouco acobertar atividades ilícitas de terceiros, mas demonstrar a legalidade, prima facie, da conduta da empresa ao implantar a criptografia sobre as mensagens, apontando ainda sugestões e caminhos para possíveis correções no modelo atualmente utilizado; tudo a fim de buscar o equilíbrio entre os direitos e deveras de usuários e empresas.
Afinal, o que eu tenho a ver com a criptografia do Whatsapp?
Para você que é pessoa de bem, comemore, pois agora você esta mais seguro.

Já para você que acha que vai poder fazer o que quiser daqui pra frente (o que inclui praticar atos ilícitos ou criminosos) cuidado! A criptografia que lhe garante o sigilo, não é absoluta, e pode sim, ser quebrada, ou mesmo revelada (acreditamos muito em breve) em que pese a dificuldade a "mais" no processo.