sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Fake news: o arsênio da liberdade de expressão



A medicina explica que a intoxicação por Arsênio pode provocar, em casos menos graves, o aparecimento de feridas na pele que não cicatrizam, gangrenas, danos a órgãos vitais e até câncer de pele. Em doses mais levadas, mesmo que esparsas, pode levar à morte, geralmente imperceptível, exceto se submetido a perícia especifica.

Nos últimos cinco anos, milhares de usuários da internet do mundo todo, sobretudo os que contratam serviços de rede sociais, tem acusado tais empresas de praticarem censura, controlando e classificando seus conteúdos, e muitas vezes bloqueado ou banindo suas contas valendo-se dos subterfúgios de seus contratos, intitulados: Termos e Condições de Uso.

A situação vem se agravando dia após dia, se acentuando no período eleitoral de 2018, inclusive com graves acusações da mídia tradicional, de formação de “grupos” destinados a promover acusações falsas.

Em meio a isso o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg, prestou depoimento no Senado Americano, confirmando a existência de censores e mais: que é fato público e notório a predominância de determinando viés ideológico em Silicon Valley, sede da empresa.

Centenas de ações judiciais foram ajuizadas objetivando restabelecer tais serviços. Muitas procedentes, outras não, convertendo-se a obrigação de devolver as páginas derrubadas em indenizações, mantida assim a censura.

No início do ano, fundado em um ato de extremo autoritarismo, valendo-se de procedimento Interno destinado, exclusivamente a casos de homicídio ocorridos dentro da Corte, Ministros do Supremo determinaram a remoção de conteúdos de mídias alternativas existentes nas redes sociais.

Uma denúncia formal, promovida por vários influenciadores digitais brasileiros fora apresentada a Corte Interamericana de Direitos Humanos, denunciando tais práticas.

Ainda hoje, há relatos de bloqueios e banimentos. Há notícias de jovens empreendedores que tentaram suicídio com a quebra decorrente do banimento, e consequente destruição do mecanismo de monetização, objeto dos serviços prestados pelas redes sociais.

E seguindo a contramão de tudo que existe no ordenamento jurídico, sobreveio a lamentável reversão pelo Congresso Nacional, do veto Presidencial do §3º da Lei Federal nº. 13.834/19, que reconhece como crime a prática das intituladas “fake news”, muito embora a lei não tenha utilizado tal terminologia.
A partir de agora, será punida com de reclusão de 2 a 8 anos, qualquer pessoa maior de idade e capaz que, comprovadamente ciente da inocência do denunciado e com finalidade eleitoral, divulgar ou propalar, por qualquer meio ou forma, o ato ou fato que lhe foi falsamente atribuído.

É certo que nenhum direito é absoluto. O direito à vida pode ser relativizado, como em casos de guerra, observadas estritamente as exceções extremas legais; o direito à liberdade de ir e vir, com a condenação daquele é condenado, ou que é pego em flagrante delito, entre outros. Enfim, não seria diferente com a liberdade de expressão. Mas, existe um limite? Qual seria esse limite?

A Constituição Federal de 1988, impõe o anonimato como única vedação a liberdade de expressão e a livre manifestação de pensamento.

O Pacto de San José da Costa Rica, que faz parte do ordenamento jurídico brasileiro, inclusive com mesmo status de norma constitucional, segue na mesma linha. A Corte Interamericana de Direitos Humanos, vai além: em seus Pareceres e Recomendações sobre casos envolvendo ofensas a liberdade de expressão, recomenda que os Estados Membros do OAS, revejam suas leis penais, orientando a descriminalização de crimes contra a honra, tais como a calúnia, injúria e a difamação, na relação entre o cidadão comum e entes políticos estatais.

Mas em nosso país, como de costume, o caminhar é inverso.

Ao invés de cumprirmos os comandos da nossa própria Constituição e de normas com mesmo status como a acima indicada, o legislador preferiu criminalizar condutas análogas, justificando que: (...) “Ninguém quer fake news, elas são prejudiciais.” (...) “Vamos acabar com os robôs, dando mais transparência ao pleito eleitoral” (...) “Quem se põe a lei, apoia o crime, pois a lei somente punirá quem tiver ciência da inocência do denunciado e tiver finalidade eleitoral”

Pasmem, ontem vimos muitas pessoas apoiando essa lei.

Será que alguém pensou na aplicação pratica da lei, por nós, operadores do Direito?

O que seria “comprovadamente”?

Em tese, matérias classificadas como verdadeiras, ou falsas, total ou parcialmente, pelas “agências de checagem” poderiam servir de base ao preenchimento da tipificação penal, mesmo havendo flagrantes evidências de parcialidade político ideológica destas empresas.

O que seria “ciência da inocência”?

Em tese, se nos atentarmos que no Brasil impera o principio da inocência, que impõe que ninguém será considerado culpado, senão após o transito em julgado da ação”, significa dizer que ninguém poderá falar absolutamente nada de ninguém, a menos após os longos anos de tramite processual e final transito em julgado, desde que acrescentado o ultimo requisito de tipificação da conduta:

O que seria a “finalidade eleitoral”?

A se considerar que a lei faz parte do Código Eleitoral, e que este por seu turno, se  aplica a todos que votam e são votados, mas ao mesmo passo, não traz um único dispositivo explicando o que seria essa “finalidade eleitoral”, não restam dúvidas de que há grandes chances de que, qualquer um, que se declare eleitor e lute mesmo não sendo filiado a qualquer partido, com o fim de eleger determinado candidato, incida na pena.

Resumidamente: texto esparso, opaco, de extremo subjetivismo, que caberá a figura do juiz e da doutrina especializada, desvendar a “intentio legis”, gerando, como de praxe, aliás, mais uma norma que traz grande insegurança jurídica.

Ao mesmo passo, existe nos bastidores um Projeto de Lei, intitulado Estatuto dos Influenciadores Digitais cujo texto, depois de anos de estudo, enfim, conseguiu equilibrar a livre iniciativa com a liberdade de expressão; a necessidade de combate as fake news e o pleno exercício a liberdade de expressão; a busca pela efetiva vedação ao anonimato (frise-se, diferente do pseudônimo) através da identificação inequívoca dos usuários.

Mas assim como o arsênio em pequenas doses no corpo humano, o Projeto parece transitar nas veias do Congresso e alguns parlamentares despercebido, sem atenção, quase imperceptível, preferindo-se flexibilizar cada vez a liberdade de expressão, a colocá-lo na mesa, como forma de solução ao equilíbrio dessa delicada equação.

Assim como arsênio, identificado como causa morte, apenas com exame específico, vemos dia após a dia a liberdade de expressão ser morta, em pequenas doses. E sem perceber, vamos deixando.

Eu mesmo, só fui perceber que quase não falei do arsênio no decorrer do texto, mesmo o tendo colocado em destaque como título.

Só fui perceber, quando acabei este artigo.